quarta-feira, 6 de julho de 2016

Uma mulher sem importância


Têm muitas mulheres transitando sobre a própria corrente, da mesma forma que ainda existem mulheres com o controle de suas próprias amarras. Ah, eu quero falar de mulheres... De mulheres não, de uma mulher. Aquela sem nome. 
Você deve questionar-se "por que sem nome?". É porque ela não tem importância. Ela quase que não existe, para ser honesta (mas é segredo, já que ela nem se deu conta disso). Ela exerce muito bem o seu ofício de ser perfeita.
Agora me responda uma coisa: é possível ser sem importância e ainda assim ser respeitada? Os valores acerca do respeito são um tanto confusos nessa pós-modernidade. Ela não é dona de nada nessa Terra brava a desmundar, mas é moldada a acreditar que tem pertences. 
Coitada! Se lhe perguntam algo, é provável que ela responda sem ao menos abrir a boca, já que ela não tem voz na casa que ela pensa ser dona. Agora imagina fora de casa não é? Qual importância darão a ela?
Ela é tão exata na tradicionalidade de ser mulher que chega a ser submissa.Mas não há problema nisso: assim como ela não diz, também não enxerga. Agora você deve estar se perguntando: mas se ela não vê e não diz, o que lhe resta das faculdades sensitivas do corpo?
Pois eu te digo: ela ouve! Sim! Comemore. Chegam a ser esquizofrênicas as vozes embutidas que circulam na mente dessa mulher apagada. Elas gritam o dia todo o que ela deve ser, o que ela deve ter, o que ela deve vestir, como deve ser o cabelo (é assustador, mas vamos combinar que a mídia está sempre em alta). Gritam tanto que ela chega ser um bibelô de desejos, quase um... um... objeto! Objeto tem importância?
Ela se olha ao espelho com olhos de servidão: quem está presa é ela mesma, e a coitada nem sabe disso.

Obrigada (?)

Se fôssemos rascunhar essa história mal escrita, e transpô-la em produção cinematográfica, garanto que seria um clássico decadente e mudo, em pleno silêncio para absorver na pele até causar ferida.
Imagino imagens ora lentas, ora longas, ora breves... mas sempre essas imagens que riscam o córtex aditivo com caco de vidro, para em seguida acariciá-lo com uma pena. 
(Eu sempre imagino nossa dança sobre estilhaços de vidro e nossos passos pelas penas).
Eu desaprendi a sorrir. Hoje parece-me tudo tão amargo, tão caro, tão pesado. 
Eu me sinto cansada, não, não me sinto deprimida. Mas parece que os olhos não olham mais com tanta cor, não têm mais a vividez que antes tinham. 
Eu não sei o que é pintar quadro com os olhos, como antes fazia por gosto. Eu aprendi demais, eu soube demais e creio que isso não encaixaria nesse roteiro porco e fétido de nossa história. 
Parece-me que saí de uma sala de cinema pós um filme bem sensorial, cujas imagens foram tão sinestésicas, e parece que não vou encontrar alguém para discutir esse filme. (Eu devo ter deixado minha voz lá dentro da sala, pois agora eu estou em silêncio).
Foi isso, foi isso que restou: silêncio.
Ora eu te odeio, ora eu não consigo dizer que te amei. E parece-me que agora esse filme barato ficará rodando sem parar, sem parar, sem parar e sem parar. 
Tem dias que penso que seja lá onde você esteja, você está a sorrir de mim. E tem outros que penso que nada disso tem importância para você.
(Hoje não me importa quantos pássaros mortos eu vá ver pelas ruas, eu naturalizei essa bagunça.)  

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Hoje, grave bem essa data, eu perdi a vontade de falar com as pessoas.
Portanto, eu quero me respeitar e tenho o direito de manter-me calada com os lábios.
 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

ESTADO DE MORTE



Em estado de morte, canta aos cantos a putrefação do pássaro morto! Maravilhoso espetáculo da vida! Sangue estirado ao chão, o cheiro sobe e tudo quanto é morto respira. Sofrimento ignóbil, a agonia silenciosa jaz em outro canto.
Alegria, quem se importa?
Os olhos secaram diante do absurdo! O que marca no rosto não é o tempo que passa, é a mágoa do que não existe, é o riso afagado em mordidas pendidas ao canto dos lábios, o choro que vem antes da consciência de ter acordado: o podre chega à boca como pão de carniça!
 Absurdo, quem se importa?
Quem é que liga? Quem professa ajuda? Quem é que viu ou deixou de ver? Quem é que disse  quando tinha que dizer? Quem lembrou quando tinha que esquecer? Todos os dedos apontam para um único ângulo: a culpa de não ter feito nada por mim mesmo.
Eu vi um pássaro morto e esmagado no asfalto no mesmo peso e na mesma medida que me vi em estado de morte. É como se meus dedos estivessem podres e em alegria, tão sútil, aqui não tenho nome. Estou em estado de morte quando acordo e tudo o que sei fazer é bater a cabeça no travesseiro implorando por algum sentido que mereça reza ou gratidão.
A tristeza vem cantando silenciosa aqui e nem chorar consigo...

(Ainda sinto o asfalto quente e sinto meu cheiro podre entrando em contato com o sol)

Covardia


Não toque na desgraça! Deixe-a intacta.
Carniçaria exposta ao sol fede até extinguir-se, mas se acaso a possibilidade do toque se concretize no processo de putrefação, a carne pode feder ainda mais.
Portanto, deixe-a isolada até que perca sentido conceder atenção ao que passará ao que deixará de ser. É tão nulo doar-se à desgraça, ora! Ela já está feita,  pronta ao banquete da angústia.
Se acaso a mão fraquejar e se o sangue impelir aos nervos exigindo uma ação: não aja.
Melhor ignorar a fetidez da desgraça! Fugir do infortúnio em ato de covardia. Há de incomodar em menor proporção até nunca ter existido.