quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

ESTADO DE MORTE



Em estado de morte, canta aos cantos a putrefação do pássaro morto! Maravilhoso espetáculo da vida! Sangue estirado ao chão, o cheiro sobe e tudo quanto é morto respira. Sofrimento ignóbil, a agonia silenciosa jaz em outro canto.
Alegria, quem se importa?
Os olhos secaram diante do absurdo! O que marca no rosto não é o tempo que passa, é a mágoa do que não existe, é o riso afagado em mordidas pendidas ao canto dos lábios, o choro que vem antes da consciência de ter acordado: o podre chega à boca como pão de carniça!
 Absurdo, quem se importa?
Quem é que liga? Quem professa ajuda? Quem é que viu ou deixou de ver? Quem é que disse  quando tinha que dizer? Quem lembrou quando tinha que esquecer? Todos os dedos apontam para um único ângulo: a culpa de não ter feito nada por mim mesmo.
Eu vi um pássaro morto e esmagado no asfalto no mesmo peso e na mesma medida que me vi em estado de morte. É como se meus dedos estivessem podres e em alegria, tão sútil, aqui não tenho nome. Estou em estado de morte quando acordo e tudo o que sei fazer é bater a cabeça no travesseiro implorando por algum sentido que mereça reza ou gratidão.
A tristeza vem cantando silenciosa aqui e nem chorar consigo...

(Ainda sinto o asfalto quente e sinto meu cheiro podre entrando em contato com o sol)

Covardia


Não toque na desgraça! Deixe-a intacta.
Carniçaria exposta ao sol fede até extinguir-se, mas se acaso a possibilidade do toque se concretize no processo de putrefação, a carne pode feder ainda mais.
Portanto, deixe-a isolada até que perca sentido conceder atenção ao que passará ao que deixará de ser. É tão nulo doar-se à desgraça, ora! Ela já está feita,  pronta ao banquete da angústia.
Se acaso a mão fraquejar e se o sangue impelir aos nervos exigindo uma ação: não aja.
Melhor ignorar a fetidez da desgraça! Fugir do infortúnio em ato de covardia. Há de incomodar em menor proporção até nunca ter existido.